Pequenos detalhes que você pode ter perdido em “Era Uma Vez em… Hollywood”
Enquanto os filmes de Quentin Tarantino são conhecidos por sua violência exagerada e performances inimitáveis, há uma abundância de pequenos detalhes para os amantes de cinema desfrutarem no mais recente filme do cineasta. Como qualquer bom nerd de filmes, Tarantino faz muitas referências aos seus filmes, séries, quadrinhos e músicas favoritas, e geralmente também faz referência a seus próprios filmes.
Considerando que “Era Uma Vez em… Hollywood” acontece durante o final dos anos 60, quando o grupo de seguidores de Charles Manson estava ativa nas colinas de Hollywood. O público pode esperar muitas referências maliciosas a todo tipo de coisa.
De literalmente dúzias de propagandas realistas para o entretenimento mais quente de 1969 em torno da mistura única de fatos e ficção tirada dos piores assassinatos já inspirados por uma canção dos Beatles, “Era Uma Vez em… Hollywood” tem muito para mastigar. Mas você não precisa ser um verdadeiro conhecedor de crimes para perceber todos os detalhes – você só precisa ler a partir daqui enquanto apontamos todos os pequenos detalhes em “Era Uma Vez em… Hollywood” que você perdeu. Obviamente, cuidado com spoilers se você ainda não viu o filme.
“Era uma vez” no título já diz tudo
“Era Uma Vez em… Hollywood” é um título bastante informativo, especialmente em comparação com alguns dos títulos mais sugestivos de Tarantino, como “Kill Bill” ou “Kill Bill Vol. 2“. Na verdade, você pode fazer a engenharia reversa da maior parte do enredo do filme a partir do título e de um resumo básico.
Em primeiro lugar, “Era Uma Vez em… Hollywood” é uma referência bastante clara a um dos filmes favoritos de Tarantino, “Era uma Vez no Oeste“. O clássico do diretor Sergio Leone reinventou o western e é a influência rastejante do chamado spaghetti western que puxa Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) para a Itália.
“Era Uma Vez em… Hollywood” também obviamente tem Hollywood no título, o que significa que é um western acontecendo em Hollywood. Você poderia facilmente fazer a alegação de que é Tarantino tentando revitalizar a peça do período de Hollywood de Los Angeles tão completamente quanto Leone revitalizou o western em seu próprio filme de título similar.
Finalmente, “Era Uma Vez em… Hollywood” também é a abertura para a maioria dos contos de fadas ocidentais, uma promessa de que vai haver uma história com algumas emoções, calafrios e, finalmente, um final feliz.
Sharon Tate, a princesa do castelo do conto de fadas do filme do Tarantino, sobrevive à história mesmo que a verdadeira Sharon Tate não tenha sobrevivido. O título é um detalhe-chave que indica que o uso de eventos reais pelo filme não será tão gratuito quanto alguns espectadores temiam quando o filme foi anunciado.
O set de “Django Livre” aparece
Logo no começo do filme, se você captou um indício de déjà vu durante as cenas em que Rick Dalton e Cliff Booth (Brad Pitt) estão filmando a série fictícia “Lei da Recompensa” e sendo entrevistados sobre isso, não foi uma coincidência.
Na tradição dos clássicos filmes e programas de televisão ocidentais se reutiliza o mesmo set para economizar dinheiro, o set onde a “Lei da Recompensa” acontece espelha a cidade em “Django Livre“, onde o caçador de recompensas Dr. Schultz (Christoph Waltz) encontra Django (Jamie Foxx) pela primeira vez.
Desde que “Django Livre” e “Era Uma Vez em… Hollywood” acontecem no universo de Tarantino, é provável que a “Lei da Recompensa” foi construída no universo como uma homenagem à cidade onde Dr. Schulz completou sua recompensa. Em uma Hollywood à procura de histórias míticas ocidentais, Dr. Schulz e Django seriam um dos melhores.
Além disso, reutilizar o set é um belo detalhe ligando o oeste pseudo-real de “Django Livre“com o oeste mais tarde mitificado de “Era Uma Vez em… Hollywood“. A única questão que resta é se um personagem inspirado pelo Dr. Schulz já apareceu em um episódio de “Lei da Recompensa” nesse universo de Tarantino.
O programa de televisão em que Rick Dalton aparece é verdadeiro
Enquanto estamos no assunto de misturar o real com o fictício, Tarantino faz mais do que apenas referenciar um de seus próprios faroestes – ele realmente incorpora um programa de televisão real ocidental, “Lancer“, que decorreu de 1968-1970.
“Lancer” seguia um pai e seus dois filhos meio-irmãos que ocasionalmente deixavam de lado suas diferenças para o bem da família.
Ao fazer com que Rick apareça como um cara mau em “Lancer“, Tarantino é capaz de mostrar até onde Rick caiu em termos de audiência e apelo: ele não é bom o suficiente para “Bonanza“, uma clássica série de faroeste que perdurou por 14 temporadas, ganhando um legado como um dos mais antigos programas de televisão de todos os tempos.
No entanto, há mais um pequeno detalhe: Tarantino realmente comprou os direitos de “Lancer“, e lançou Timothy Olyphant e Luke Perry para retratar os dois meio-irmãos da série em “Era Uma Vez em… Hollywood“. É claramente um trabalho de amor para Tarantino, e o diretor nunca foi tímido em homenagear seus favoritos de infância.
Se Tarantino tem mais planos para “Lancer” ou apenas queria usá-lo para o seu mais novo filme ainda é um mistério.
Timothy Olyphant reprisa seu papel como um homem que sempre atira primeiro
Timothy Olyphant pode estar cansado de atuar como o pistoleiro mais rápido no oeste, mas um dos pequenos detalhes deste filme deixa claro que Tarantino não está cansado de vê-lo fazer isso.
Em 2004, Olyphant atuou na série “Deadwood” como Seth Bullock, um homem cuja expertise era ser um dos mais rápidos no gatilho. Depois disso, ele apareceu em “Justified“, de 2011, que o fez interpretar o papel de um policial dedicado com um gatilho ridiculamente rápido.
Em “Era Uma Vez em… Hollywood” na representação de Hollywood da série “Lancer“, Timothy Olyphant interpreta Johnny Madrid Lancer, um homem que é extremamente rápido no gatilho. Desta vez, no entanto, Olyphant e Tarantino subvertem as coisas apenas um pouco, com Johnny atirando pelas costas durante um duelo em vez de ir para um tiroteio simples.
Há uma razão pela qual o público está disposto a aceitar Olyphant como um cowboy, seja em filmes modernos ou de época, por quase 20 anos – isso simplesmente funciona.
A coordenador de dublês Zoe Bell aparece no filme como alguém horrorizada pelo comportamento de um dublê
Zoë Bell trabalha com Quentin Tarantino há muito tempo. Sua primeira colaboração foi durante “Kill Bill Vol. 1“, quando Bell trabalhou como dublê de Uma Thurman. De lá, Bell continuou a trabalhar com o diretor, fazendo acrobacias em “Bastardos Inglórios” e “À Prova de Morte“. Logo, ela também começou a se apresentar em papéis menores, aparecendo como ela mesma em “À Prova de Morte“, juntamente com papéis pequenos em “Django Livre” e “Os Oito Odiados“.
Em “Era Uma Vez em… Hollywood“, Zoë Bell conseguiu uma promoção para coordenar os dublês, dando a ela a responsabilidade por toda a ação que o público vê na tela. Em um pequeno detalhe meta-textual apropriado, Bell também aparece no filme, interpretando Janet, a esposa do coordenador de cenas de Kurt Russell, Randy.
O trabalho real de Bell no set era garantir que as acrobacias fossem executadas com segurança, sem custo excessivo para a produção, então é perfeito que seu papel como Janet envolva a interrupção furiosa da briga de bastidores de Cliff e Bruce Lee (Mike Moh).
Bruce Lee luta como Kato no filme do Tarantino
Em “Era Uma Vez em… Hollywood“, Cliff (Brad Pitt) fica irritado com o orgulho de Bruce Lee (Mike Moh) enquanto está no set de “O Besouro Verde” e desafia-o para uma luta um tanto amistosa até que é interrompida por Janet (Zoë Bell).
Se você é um super fã de Bruce Lee, pode notar alguns detalhes importantes sobre essa luta. Como apontado por Matthew Polly, autor de “Bruce Lee: A Life“, o ator Mike Moh não está imitando o estilo de luta de Lee na vida real. Em vez disso, as ações de Lee na luta se assemelham mais a Kato, o personagem que Lee interpretou em “O Besouro Verde“.
Matthew Polly disse ao portal “The Wrap“: “O chute lateral do pulo no peito de Pitt é um movimento puro de Kato.” Ele acrescenta: “A série inicial de socos que ‘Bruce faz’, terminando com Pitt prendendo o braço de ‘Bruce’ é mais como uma coreografia de filmes de kung fu tradicional de Hong Kong, mas Bruce está usando as luvas pretas de Kato. É Kato – ou ao menos é uma homenagem ao invés de uma pura imitação“.
Mais tarde no filme, flashes rápidos são mostrados de Lee ensinando Sharon Tate (Margot Robbie) uma coreografia de luta para seu papel em “Arma Secreta contra Matt Helm” (“The Wrecking Crew“) de 1968. Isso não é um embelezamento de Tarantino, mas sim uma coisa real que o verdadeiro Lee fez por Sharon antes da morte da atriz.
O entrelaçamento de fatos e ficção ao longo do filme
Ao longo de “Era Uma Vez em… Hollywood“, Tarantino constantemente quebra a suspensão da descrença, alegremente tecendo fatos históricos verdadeiros com enfeites soltos de ficção. Se você não conhece nada da história real por trás da família de seguidores de Charles Manson ou da vida de Sharon Tate, alguns pequenos detalhes podem ter passado despercebido por você. Uma verdadeira linha de diálogo da noite dos assassinatos de Sharon Tate, é falada enquanto Tex (Austin Butler) aponta uma arma para o dublê de ficção Cliff Booth (Brad Pitt) quando o atirador lhe diz: “Eu sou o Diabo e venho fazer o trabalho do Diabo“.
Quando Cliff vai para a Itália seu primeiro filme é de Sergio Corbucci, que criou o personagem original de “Django“. Sharon Tate, de Margot Robbie, assiste “ela mesma” na tela quando se dirige ao cinema para assistir “Arma Secreta contra Matt Helm” (“The Wrecking Crew“), um filme no qual a verdadeira Sharon Tate apareceu.
Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) alterna entre papéis em programas reais de televisão como “Lancer” e “The F.B.I.” e séries fictícias como “Lei da Recompensa“. Os personagens estão constantemente se vendo na televisão ou nas telas do cinema, e as cenas durante as filmagens de “Lancer” têm cortes estranhos sem uma divisão clara entre quais cenas são de Tarantino e quais são do diretor do episódio real da série.
Uma discussão sobre como a violência na televisão leva à violência na realidade
Se há uma coisa que Tarantino está cansado de ouvir são reclamações sobre o uso da violência em seus filmes. O diretor tem sido bem claro sobre seus sentimentos em mais de vinte anos de entrevistas. Ele disse ao jornal Chicago Tribune em 1993: “O ponto principal é que eu não sou responsável pelo que uma pessoa faz depois de ver um filme. Eu tenho uma responsabilidade. Minha responsabilidade é fazer personagens e ser tão fiel a eles quanto eu possivelmente posso.”
Suas opiniões não mudaram muito nos anos seguintes, o que torna a conversa que Tex (Austin Butler) e algumas das garotas da família de seguidores de Charles Manson (Damon Herriman) têm no carro antes que sua tentativa de matança seja ainda mais irônica.
Animado falando sobre o fato de que eles acabaram de conhecer o famoso Rick Dalton, os quatro dialogam sobre sua fama antes de uma das meninas sugerir que talvez ele seja o culpado por sua própria violência. Ela explica que eles cresceram assistindo a imagens violentas na televisão, então a única coisa a fazer seria começar sua matança com as pessoas que os “inspiraram”.
Esse seria o pior cenário para cineastas como Tarantino, mas se tomarmos o que realmente acontece com aqueles supostos assassinos de Manson quando invadirem a casa de Rick Daltona, não parece que Tarantino está preocupado.
“Bastardos Inglórios” prenunciam o fim de “Era Uma Vez em… Hollywood”
No mundo de “Era Uma Vez em… Hollywood“, Rick Dalton tinha uma carreira e tanto. Enquanto ele perde o papel de Steve McQueen em “Fugindo do Inferno” (“The Great Escape“), ele poderia ter conseguido em “Bastardos Inglórios” diante do papel que ele representa no fictício “The 14 Fists of McCluskey“. Afinal, “The 14 Fists of McCluskey parece inspirar-se nos “eventos reais” de “Bastardos Inglórios“.
Na cena que vemos em “Era Uma Vez em… Hollywood“, Rick interpreta um soldado que dispara um lança-chamas contra um alto comando nazista em uma óbvia paródia de “Bastardos Inglórios“.
O crédito na tela é também um indício inicial de que “Era Uma Vez em… Hollywood” não será uma versão básica do assassinato de Sharon Tate que alguns temiam que fosse quando o filme foi anunciado pela primeira vez.
“Bastardos Inglórios” famosamente termina com Hitler queimando até a morte em um teatro ao lado da maioria do alto comando nazista em uma distorção alegre dos eventos históricos reais. Ao lembrar os espectadores do clímax desse filme, Tarantino é capaz de prever a sobrevivência de Sharon Tate diante da família de Charles Manson.
Aparições cortadas
Se você foi devidamente treinado pelo Universo Cinematográfico da Marvel, então você sabe sempre ficar sentado com os créditos rolando – mesmo se não houver uma cena de pós-créditos, é apenas respeitoso ver todos os nomes das pessoas que fizeram o filme. Em “Era Uma Vez em… Hollywood” há muito o que curtir.
Tarantino dá a alguns de seus colaboradores mais antigos e mais frequentes um agrupamento especial nos créditos que inclui Tim Roth. Se você está coçando a cabeça tentando lembrar o papel que ele teve, os créditos revelam que ele foi cortado do filme final, embora tenhamos certeza de ver algumas das filmagens algum dia.
Também cortado do filme, com muito menos fanfarra de Tarantino, estava o desempenho de James Marsden como um jovem Burt Reynolds. O Reynolds real também deveria aparecer no filme como George Spahn, mas faleceu tragicamente antes que as filmagens estivesse terminadas, então o produtor e também ator Bruce Dern interveio para se apresentar em seu lugar. A morte de Reynolds pode ter contribuído para que o papel de Marsden fosse cortado, embora não tenha ocorrido confirmação oficial do diretor. Independentemente disso, parece claro, pelos créditos, que há muitas cenas a serem adicionadas aos cortes posteriores assim que o filme terminar sua exibição nos cinemas.
Referências a outros filmes de Tarantino
Na tradição de “Curtindo a Vida Adoidado” e em todos os filmes de super-heróis lançados nos últimos 15 anos, “Era Uma Vez em… Hollywood” realmente tem uma sequência de pós-créditos. Similar aos que acompanham os filmes da Marvel, é uma cena que é principalmente para os verdadeiros fãs de Tarantino.
Na cena, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) filma um comercial para os cigarros Red Apple, observando que eles não são apenas os melhores ao redor, mas são os melhores desde meados do século XIX. Claro, é tudo publicidade para a câmera, já que Rick realmente odeia a marca, mas o personagem estaria sozinho nessa opinião no universo de Tarantino. Os cigarros Red Apple apareceram em vários filmes de Tarantino – Mia Wallace (Uma Thurman) e Pumpkin (Tim Roth) fumam essa marca de cigarros em “Pulp Fiction: Tempo de Violência“, a Noiva (Uma Thurman) caminha em um outdoor desse cigarro em “Kill Bill“, e John Ruth, de Kurt Russell, prefere o tabaco Red Apple em “Os Oito Odiados“. Parte do objetivo do comercial de Rick é justificar uma discrepância que ninguém estava realmente perguntando: como John Ruth fumava a Red Apple décadas antes de o cigarro realmente entrar em moda?
A Red Apple não é a única marca exclusiva de Tarantino que entra no mundo de”Era Uma Vez em… Hollywood” – Big Kahuna Burger, a franquia de fast food mais conhecida entre os cinéfilos como a última refeição do pobre Brett (Frank Whaley) em “Pulp Fiction: Tempo de Violência“, aparece em um outdoor durante uma das muitas cenas de direção do filme.
Quentin Tarantino sempre encontrou maneiras de explorar o caráter ao interrogar o modo como é consumido e apreciada a cultura pop. Da discussão “Like a Virgin” em “Cães de Aluguel” ao monólogo do “Superman” de Bill (David Carradine) em “Kill Bill Vol.1“.
Em segundo lugar, os personagens dos filmes de Tarantino se tornam mais completos através do modo como eles se envolvem com um nível mais profundo de ficção. “Era Uma Vez em… Hollywood” o vê puxando o truque novamente de uma maneira que é ao mesmo tempo mais sutil do que outros filmes e gritantemente óbvia.
Enquanto Rick, Cliff e Sharon se movem por toda Los Angeles, eles estão constantemente cercados pelo que parecem ser avisos diretos e prenúncio da violência que passa pelos outdoors e propagandas de Hollywood de 1969.
Uma bancada de ônibus se lê “Intruders” (Intrusos), um outdoor anuncia a comédia de sexo psicodélico “Candy“, outra exibe um anúncio de “O Homem Que Odiava as Mulheres” (“The Boston Strangler“). Tudo está acontecendo ao mesmo tempo em um redemoinho da cultura de 1969, tão denso que os personagens não conseguem distinguir os portentosos presságios.
*Texto original de ZIAH GRACE / LOOPER