“Years and Years” | 1ª Temporada – Crítica (com spoilers)

“Years and Years” | 1ª Temporada – Crítica (com spoilers)

A minissérie britânica “Years and Years” chegou na HBO – sem muito alarde – no final de junho por aqui no Brasil e merece a sua atenção. Estamos diante de uma das fortes candidatas a melhor série deste ano.

A produção da HBO em parceria com a RED Production Company, BBC One e CANAL + acompanha uma família comum da Grã-Bretanha em meio as transformações pelas quais o mundo passa ao longo de anos.

A primeira temporada é composta por seis episódios e há momentos tensos e de fortes emoções em cada um deles. Percorrer por cada episódio nem sempre vai ser uma experiência fácil, a exemplo do quarto episódio que mostra uma morte trágica de um dos personagens. O quarto episódio, por sinal, merecia um texto só para ele.

Atenção: A partir daqui, o texto contém spoilers da primeira temporada de “Years and Years“.

Vencedora do Oscar, Emma Thompson é a política Vivienne Rook (Imagem: Divulgação/HBO)

Estamos no ano de 2019 e somos apresentados aos irmãos da família Lyon. Cada um vivendo em suas casas, os irmãos Daniel (Russel Tovey), Rosie (Ruth Madeley) e Stephen (Rory Kinnear) se surpreendem com um discurso inusitado e nada ortodoxo de uma nova política na televisão. Eis que brilha na tela a vencedora de dois Oscar, Emma Thompson com a sua intrigante e misteriosa personagem.

Em um debate televisionado, Vivienne Rook (Emma Thompson) declara que “Israel e Palestina se f***” e assim conhecemos essa mulher que não possui papas na língua e almeja uma posição de destaque na política.

A história acompanha a ascensão de Vivienne ao poder e a decadência de uma sociedade que se torna cada vez mais tecnológica e, ao mesmo tempo, desumana.

A família reunida em uma promo da série (Imagem: Divulgação/HBO)

Mais para metade da série, o foco se volta com mais intensidade para Vivienne e as obscuridades por trás de seu poder, mas o foco principal e mais interessante nos primeiros episódios está nessa família e cada um de seus integrantes.

Ao avançarmos rapidamente para um futuro não tão distante, a série vai nos colocando – de forma muito sutil – em um cenário pré-apocalíptico. Um dos personagens revela que não encontra mais borboletas e outro indaga sobre a escassez de chocolates, por exemplo.

Esse cenário de desordem social e ambiental no mundo só aumenta ao longo dos episódios. Em um determinado momento, questiona-se  quais seriam as soluções para reverter todo esse desastre ambiental, “alertamos isso há mais de 30 anos“, vai dizer um dos personagens. Ou seja, o tempo para consertar alguma coisa já foi, agora é a sobrevivência que está em jogo.

A série vai criticar, diretamente, a política externa atual dos Estados Unidos e as decisões do presidente norte-americano Donald Trump; além de mostrar todo o drama dos refugiados com a proximidade de um dos personagens principais.

Daniel (Russell Tovey) e Viktor (Maxim Baldry) antes de subirem no bote (Imagem: Divulgação/HBO)

Tudo na série é muito intimista, muito próximo. Sentimos as dores, incertezas e medos de cada membro da família Lyon e isso nos coloca em uma posição muito delicada. Lembra que falei do quarto episódio? 

Quem já assistiu a série deve também ter ficado impactado com a morte do Daniel (Russel Tovey) após tentar atravessar a fronteira em um pequeno bote junto de seu namorado, o refugiado ucraniano Viktor Goraya (Maxim Baldry).

A cena é fortíssima e muito chocante quando é revelado que dentre os corpos espalhados pela praia que não sobreviveram está o corpo de Daniel.

Foram apenas quatro episódios para conhecermos o todo certinho Daniel, mas foram episódios suficientes para se criar uma forte empatia diante da sua personalidade.

Daniel se casou com Ralph (Dino Fetscher) e viveram bem essa vida matrimonial, até que os anos e – em parte – a arrogância de Daniel desgastaram o relacionamento. Nesse período turbulento do casamento, Daniel conhece Viktor (Maxim Baldry) em uma espécie de local de acolhimento de refugiados e a química rola entre os dois.

Viktor é deportado de volta ao país dele, o mesmo país que nega sua existência e o lugar que mora os pais que o denunciaram a polícia por ser homossexual. Daniel faz de tudo para conseguir ter de volta o amado em seus braços e é esse amor que o impulsiona a passar por diversas situações perigosas, até ter esse desfecho trágico.

Stephen Lyons (Rory Kinnear) em cena no quinto episódio (Imagem: Divulgação/HBO)

O impacto dessa morte na vida dos demais irmãos e parentes de Daniel ocorre no episódio seguinte, quando Viktor (Maxim Baldry) resolve comunicar o fato para todos. Um dos irmãos mais próximos era Stephen (Rory Kinnear) que culpa Viktor por essa fatalidade.

Em um primeiro momento, todos os parentes de Daniel também compartilham o mesmo sentimento de Stephen, porém esse peso vai sendo retirado das costas de Viktor, que é ‘adotado’ pela família. Quando Viktor é preso, todos se unem para pagar um advogado e tentar libertar o jovem, menos Stephen.

Stephen, por sinal, é o que acaba carregando o maior remorso de todos dentro de si. Um sentimento de ódio que o consome, fazendo com que ele tome uma decisão forte e cruel ao transferir Viktor para um dos chamados ‘campos de concentração’ criados Vivienne Rook (Emma Thompson), local esse que é gerenciado por ele, após uma parceria perigosa com um antigo colega de escola, Woody (Kieran O’Brien).

Bethany (Lydia West) em cena do terceiro episódio (Imagem: Divulgação/HBO)

Bethany (Lydia West) é a filha de Stephen com Celeste (T’Nia Miller) que acaba descobrindo o ‘podre’ do pai ao acessar essas informações através de uma tecnologia implantada nela pelo governo. Nesse ponto, a série se aproxima muito com outra série distópica, “Black Mirror” da Netflix, porém, ela consegue se aprofundar com muito mais eficácia nas questões sociais e implicações dessas tecnologias no cotidiano do que, atualmente, consegue a série da Netflix

Buscando se desplugar de seu corpo, Bethany quer ser trans, mas mas não o conceito ‘trans’ que conhecemos. Ela quer se tornar uma transumana, uma técnica que na série está em estudo e tem por objetivo fazer uma espécie de download de todas as memórias da personagem, descartando para a reciclagem o corpo humano… é mais complexo do que isso, mas dessa forma dá para entender.

O governo autoriza que ela receba um implante cerebral que lhe permite interagir diretamente com a internet e isso faz com que ocorra, ilegalmente, a espionagem no computador do pai e a revelação de que ele foi o responsável pela transferência.

Celeste (T’Nia Miller) e Muriel (Anne Reid) em cena do terceiro episódio (Imagem: Divulgação/HBO)

Celeste (T’Nia Miller), a ex-esposa de Stephen – ela descobre que ele estava a traindo – resolve se infiltrar como funcionária na empresa de Stephen para apagar os dados  que o incriminam, enquanto Edith (Jessica Hynes), a irmã de Stephen planeja invadir o campo de concentração e resgatar Viktor (Maxim Baldry).

Celeste é uma personagem forte que precisa aguentar os comentários preconceituosos da avó da família, Muriel (Anne Reid), além de sofrer calada por vários episódios ao descobrir a traição do marido.

Todos os personagens sofrem com algo que os aprisionam. Seja em prisões de seus próprios conceitos e valores, como é o caso da avó Muriel (Anne Reid), o corpo no qual não faz sentido com o caso da Bethany (Lydia West) ou de medos e raivas como no caso de Stephen (Rory Kinnear).

Cena do último episódio (Imagem: Divulgação/HBO)

Por isso, são muito expressivas e simbólicas as cenas do episódio final quando Edith (Jessica Hynes) invade os campos de concentração, ou Erstwhile / Outroras como são chamados. Os que estão sendo reprimidos por um governo autoritário são libertos, assim como também cada membro da família consegue alcançar suas libertações pessoais. 

Vivienne Rook (Emma Thompson) em cena no sexto episódio (Imagem: Divulgação/HBO)

Como disse, o foco da série nos primeiro episódios está concentrado na família e vai permanecer assim durante todos os seis episódios, com a ascensão de Vivienne Rook (Emma Thompson) no poder e as consequências disso. Porém, é mais para o final da série que vamos descobrindo as reais e maléficas intenções de Vivienne.

Emma Thompson é incrivelmente brilhante em cena. Ela consegue entregar uma personagem que possui uma mistura de carisma com monstruosidade que é difícil de se explicar.

Com seu discurso nacionalista e extremamente conservador, ela vai conquistando votos e se tornando popular e práticas de criações de ‘campos de refugiados’ e barreiras nos bairros diante do nível de periculosidade se tornam assustadoramente aceitáveis, desprezando todo e qualquer direito individual. 

É assustador como essa série é realista e como tudo isso é possível de acontecer.

Não pense em carros voando, o futuro da humanidade está muito mais próximo a uma desordem mundial, como a série nos mostra. E estamos sendo avisados há muitas décadas, como um dos personagens vai dizer em um determinado episódio. A culpa será toda nossa, aliás, já é nossa! Acostumemos com isso ou façamos algo urgente para minimizar os efeitos drásticos de um futuro incerto.