Terminam as gravações de “A Flor Da Gigóia” | Confira a entrevista com o diretor
Neste fim de semana terminaram as gravações do longa metragem “A Flor da Gigóia “, de Ivo Schergl Jr. no Rio de Janeiro, na Ilha da Gigóia. Foram mais de 35 dias de filmagem com uma equipe aguerrida, já que se trata de uma produção independente.
No elenco, estrelas como Rafael Queiroz, Gustavo Novaes, Babu Santana, Charles Paraventi, entre outros.
Confira abaixo a entrevista com o diretor e roteirista do filme:
Você já conhecia a Ilha da Gigóia há muito tempo?
Sim. Morei na Ilha Primeira de 1999 a 2002, vizinha da Ilha da Gigóia, buscando na época minha carreira de ator no Rio de Janeiro e tal. Então, já era bem ambientado e profundo conhecedor do cotidiano dessas ilhas que formam o arquipélago na Lagoa de Jacarepaguá, acesso através de chalanas, Alamedas repletas de beleza natural, convivência próxima com outros moradores e um charme especial de “cidade do interior” no coração da Barra da Tijuca. Então, passaram-se os anos e o apenas ator tornou-se um cineasta, residindo em Guaíba no Rio Grande do Sul. A casualidade me trouxe de volta à Gigóia. Ao comprar um equipamento de câmera pela internet, o vendedor me questionou se eu não conhecia alguém no Rio de Janeiro para poder averiguar a funcionalidade dos equipamentos e tal. Prontamente lembrei de alguns amigos que ainda podiam morar aqui e foi então que me lembrei de numa colega de teatro de Porto Alegre que eu não via há muitos anos, Marcela Peringer – hoje protagonista do filme -, mas que estava morando onde? Na Ilha da Gigóia! Falamos e ela prontamente respondeu que, além de fazer essa gentileza com o equipamento, também iria para Porto Alegre em breve e poderia me entregar em mãos. Foi o que aconteceu e, nesse reencontro nostálgico e divertido, combinamos de trabalhar juntos e falei que eu escreveria um roteiro.
Foi desse encontro que surgiu a inspiração para o projeto, então?
Exatamente. Combinamos que produziríamos em algumas semanas e tal um roteiro com poucas locações, então, logo pensei em fazer algo na Ilha. Além de tudo, a casa dela já seria uma locação.(risos). Fato é que eu comecei a escrever e minhas recordações dessas ilhas foram muito importantes para a narrativa, mas o ponto inicial, a premissa, foi uma mulher e a Ilha da Gigóia. A partir dessa ideia de controle, costurei as tramas e subtramas numa tentativa de revelar a possível felicidade dessa personagem. Ser ou não ser feliz em nossa contemporaneidade foi a base para a construção de todo o arco dramático da narrativa de a “A Flor da Gigóia”. Construí muitas das cenas na busca de responder meus próprios questionamentos acerca dessa temática. Poderia afirmar categoricamente que minha maior inspiração para escrever “A Flor da Gigóia” foi observar minha inabilidade de entender se sou feliz ou não em um espectro tão profundo que só a simplicidade poderia me conduzir por esse caminho narrativo.
Como se deu a escolha do elenco?
A construção do nosso elenco se deu também de forma casual e curiosa. Já de início queria escrever para alguns atores quais sempre sonhei em trabalhar, como: Claudia Alencar, Gustavo Novaes, Babu Santana, Raymundo de Souza, Antônio Pedro Borges e Charles Paraventi. Mesmo sabendo que estaríamos inserido no universo do “cinema independente” (sem verba), eu conversei com a Marcela que ficou de produzir o filme e o elenco na época, dei esses nomes e pedi pra ela entrar em contato. Passei para ela um argumento da estória de 15 páginas e alguns dias depois ela me retorna e diz que todos aceitaram fazer parte, mesmo sem cachê. Foi então que escrevi o roteiro em uma semana.(Risos). Seis anos passaram-se sem que conseguíssemos produzir. Foi então que resolvi largar tudo no Rio Grande do Sul e vir produzir o filme, retomando o projeto. Entramos em contato com todo os atores que inicialmente tinham concordado em fazer parte do projeto, muitos deles nesse período não tinham agenda como outrora, foi então que começamos eu e a produtora de elenco Ariana Malagrida a buscar novas alternativas para alguns personagens, atores que se topassem as características do projeto, tivessem agenda no período específico de produção e que tivessem os biótipos necessários para cada personagem.
Foram quantos atores envolvidos no processo de seleção e ocorreram em que locais?
Houve um esforço conjunto com testes de elenco em três estados, mais de 400 participantes conseguimos fechar um elenco principal de atores consagrados em suas carreiras e tantos outros que conquistaram suas vagas no filme através de seus talentos nos testes de elenco. Alcançamos nosso objetivo no elenco com esse mix de atores experientes e reconhecidos do grande público que auxilia muito também na hora de distribuição e excelentes atores buscando suas oportunidades para brilharem na grande tela.
De que fala este filme? E quais seriam os gêneros de “A Flor da Gigóia”?
“A Flor da Gigóia” é um filme que expõe o cotidiano, dúvidas e angústias, concepções sobre o que é o amor e a vida. Momentos em que as fronteiras entre a verdade e a mentira, o documental e a ficção são postas em crise e revezam, por vezes, a ocupação do espaço fílmico em prol da narrativa. O longa dialoga e flerta com o filme marco na história do cinema, o francês “Crônica de um verão (1961)”, de Jhean Rouch e Edgar Morin, que juntos uniram o método de Flaherty às teorias de Vertov e este filme-ensaio-manifesto inaugurou o cinema-verdade. Drama, romance e suspense psicológico permeiam as tramas conduzidas por mistérios e descobertas, um filme sobre escolhas. Paradoxos entre valores, princípios, convenções e conflitos familiares, sociais e pessoais. Com uma estética que valorizará o belo do real e tem como fio condutor para todas funções criativas da obra a psique abalada da protagonista, o filme “A Flor da Gigóia” pretende promover uma reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida. A tortuosa e devastadora busca pela essência do eu.
Como é tocar num assunto tão delicado como a leucemia, ainda mais em uma criança?
Acredito que sempre que alguém escreve sobre crianças passando por qualquer dificuldade não encontra facilidade nessa escrita. Comigo não foi diferente. Lembro de querer amenizar a “doença” durante o processo de roteirização e de ficar com o coração apertado de trazer isso para o universo das personagens. Porém, eu precisava de um evento impactante na estória que tivesse força para desencadear gatilhos emocionais na personagem da Marceline e trazer à tona todos os seus fantasmas do passado. Além de achar sempre válido colocar em evidência questões que podem, direta ou indiretamente, auxiliar, através da exposição da temática, entidades assistencialistas, crianças acometidas, busca por pesquisas, avanços tecnológicos e o que mais pudermos atingir para a evolução do combate e na prevenção desse diagnóstico e/ou de outros. Creio ser esse um dos poderes mais supremos da arte, podermos, através das distintas criações artísticas, atentarmos olhares para questões e conflitos cotidianos, mas quando retratados e narrados nos trazem o desconforto, tanto pela delicadeza do fato, quanto por sua profunda, triste e dura realidade, e a partir daí, gerar algum tipo de ação.
Qual é o maior desafio como diretor desse filme?
Certamente meu maior desafio como diretor do filme “A Flor da Gigóia” é conseguir dirigir “A Flor da Gigóia”, realizar. (risos) Por tratar-se de um projeto independente, com pouquíssimos recursos oriundos de colaborações espontâneas através de uma plataforma virtual de financiamento coletivo, os desafios maiores serão sempre a “relação PPC” (planos por cena). Resolver de forma conceitual e estética cada cena com o mínimo de planos possíveis, tenho que ser assertivo e econômico imageticamente, pois a decupagem de câmera dita o andamento do set, tudo tem que estar bem planejado e sucinto. Não sobra espaço para experimentalismos ou dúvidas. Encaixar as peças dentro do cronograma, sem dúvidas, é o grande desafio, mas já estamos evoluindo nessa questão também.
E como projeto independente, qual é o maior desafio e a maior vantagem?
O maior desafio de qualquer projeto independente na minha opinião é resistir à grande tentação de enfiá-lo em uma gaveta e voltar para sua zona de conforto, seja ela qual for, a determinação, persistência e até um certo grau de loucura é necessário para se tocar um projeto independente e, em nosso país, nesses tempos onde nosso setor audiovisual leva sistemáticos golpes, mais complicado ainda. Fazer um filme com recursos já não é tarefa simples, imagina sem! Só consigo ver em projetos independentes desafios de todos os lados, dificuldades de todas as naturezas e circunstâncias dadas nada facilitadas por qualquer setor, seja privado ou público. Fazer cinema de guerrilha acredito ser mais complexo que estar em uma guerrilha propriamente dita. Vantagem!!??? Sério? (Risos)… Olha, acredito ter apenas duas vantagens, uma na liberdade criativa de narrar através da escrita ou da lente, mesmo que com a faca do cronograma no seu pescoço, outra é ver em tanta gente que compra sua briga, o mesmo brilho no olho, o mesmo amor pela arte segurar na sua mão e dizer…. “Tamo Junto!”.