“Praça Paris” é lançado em meio a violência constante no RJ | Entrevista com elenco e a diretora Lucia Murat
Chega aos cinemas do Brasil, o novo filme da cineasta Lucia Murat que retrata a violência no Rio de Janeiro, sob dois pontos de vista. Estivemos na pré-estreia do filme e conversamos com a diretora, além do roteirista Raphael Montes e a atriz Joana de Verona. Acompanhe a entrevista:
Bruno Martuci: Como foi quando você terminou o filme e, logo em seguida, o conflito no Rio de Janeiro piorou?
Lucia Murat: Esse filme foi pensado há 15 anos e a situação já estava tensa no Rio já naquela época, uma situação de violência muito grande. Se teve uma fantasia de pacificação que foram as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras) no primeiro momento. Quando fica claro que as UPPs começam a entra em decadência porque não tinham projeto social, já que eles se corromperam igualmente, eu pensei em retomar essa ideia que eu tinha tido antes, que era baseado em um fato real de um grupo, aí eu comecei a desenvolver o filme.
Para eu desenvolver o filme, eu fiz uma pesquisa no Morro da Providência, onde eu queria que se passasse o filme já que foi a primeira favela a existir no Rio de Janeiro, e na ocasião, você podia subir e entrevistar as pessoas, entrevistar as ONGs que tinham lá dentro, os projetos sociais sem problema, sem risco de vida. Quando a gente foi filmar, já estava impossível de subir e nem pensar em filmar, ou seja, a situação já tinha se deteriorado inteiramente.
Bruno Martuci: Sobre o abuso de poder da polécia presente no filme, você acha que isso pesa muito aqui no Brasil?
Lucia Murat: Eu acho que pesa justamente sobre as comunidades, sobre as favelas e as pessoas desfavorecidas, que existe um abuso de autoridade total. A polícia chega em uma favela e derrubam tudo. Eu me lembro uma vez que estava conversando com uma menina que faz cinema e que mora em uma favela, ela é de um grupo de teatro, e falei “mas como?”, imagina na classe media, chegar a polícia, bater a porta, você vai falar “meu Deus, você tem licença do juiz de entrar na minha casa?”, na favela não somente arrebentam a porta onde entram, como entram com cachorro. Então, isso infelizmente é a realidade que eles vivem e agente tem que mostrar isso, mostrar essa diferença também.
Bruno Martuci: Conversando agora com a atriz Joana de Verona, que interpreta Camila. Como você se sentiu interpretando essaa personagem?
Joana de Verona: Esse papel tem varias questões desafiantes que não tem a ver com o fato da Camila ser supostamente uma personagem aberta e eu não tem preconceitos, e que depois o filme mostra que afinal de contas na verdade ela acaba por ter algumas resistências, algumas reações mais agressivas perante pessoas que passam por ela na rua, e que talvez queiram só ajudar ela a pegar um papel do chão, por exemplo, como uma cena do filme, e de repente ela fica brava porque acha que vai se assaltada. A personagem tem vários desafios que não são exatamente esse, o que acontece e que as situações, eu acredito, fazem as pessoas, os contextos fazem as personagens, então o filme, com essa paranoia em que ela está com a violência, com o contato com a realidade criminal do mundo da Gloria, com a violência do Rio de Janeiro, com essa coisa agressiva e dura do Brasil, faz com que ela se coloque num contexto, em que de repente ela fique reativa e tenha medo de ser assaltada toda hora.
Bruno Martuci: Você se identifica um pouco com a Camila ou outro personagem do filme?
Joana de Verona: Nem tanto, porque eu sou brasileira. Então há um lado meu, Joana, que é um lado que a Camila também tem, que é alguém que vem de fora e que olha o Brasil com um olhar curioso, porque vem de outra realidade. Ao mesmo tempo eu também nasci aqui, morei aqui, estudei aqui, tenho familiares brasileiros, então pra mim, o Brasil não é um lugar tão exótico e tão estranho, e um lugar onde já morei, já estudei, onde venho todos os anos, onde eu trabalho, então eu não me identifico muito com ela não, embora eu a entenda.
O roteirista e escritor Raphael Montes também conversou conosco e deu mais detalhes sobre a ideia para produzir o filme.
Bruno Martuci: A ideia para o filme veio de você ou da Lucia?
Raphael Montes: Nós não nos conheciamos e a Lucia tinha esse projeto de filme há alguns anos. A ideia do filme, em vários sentidos se mantem, ou seja, tem a portuguesa que vem trabalhar no Brasil, atendendo pessoas que trabalham no prédio da universidade, onde ela faz o mestrado e doutorado, e então ela conhece essa nova realidade através das historias que essa paciente conta e, nesse processo, as duas vão se transformando, isso já tinha como premissa. A Lucia, certo dia, leu no jornal uma matéria que saiu sobre um dos meus livros, que sou escritor de livros policiais e de suspense. Ela leu os livros e, a partir da leitura dos livros, então decidiu me procurar, dizendo que queria fazer essa historia, que ela já tinha ideia, em um thriller. Então tinha que ser uma historia com elementos policialescos de tensão, de ganchos, de viradas e tudo mais e, ao mesmo tempo, um filme que tratasse do tema que ela queria e esse foi o nosso grande desafio.
Eu lembro que uma das primeiras conversas que a gente teve, que eu já tinha visto alguns filmes da Lucia, e perguntei para ela as referências que ela tinha, o que a formava como cineasta, eu também tinha as minhas referências e elas não podiam ser opostas, então foi muito legal na verdade, porque eu e Lucia temos gostos muito diferentes, e eu falei: “olha o nosso grande desafio é fazer um filme que agrade nos dois”. Eu gosto de filmes policiais, com suspense e com gancho e a Lucia gosta de filmes profundos e psicológicos, que trate de questões sociais e a gente encontrou esse lugar em “Praça Paris”, que é fazer um filme com traços meu e traços dela.