Os temas que serão destaques na Flip 2018
Temas candentes (racismo, violência contra a mulher, discriminação por causa de orientação sexual, imigração); tabus (sexo e religião); a homenagem a Hilda Hilst; autores estrangeiros premiados (e que não são astros por aqui); e por fim escritores brasileiros consagrados e novidades bastante recentes.
Devem ser esses os destaques da 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta quarta-feira (25) e vai até domingo (29).
O Portal G1 selecionou os cinco temas que certamente vão dominar as discussões ao longo de todo o evento. Assista no vídeo acima.
Vale lembrar ainda que a Flip 2018 tem 33 convidados, dos quais há 17 mulheres e 16 homens. Além disso, foi mantido o percentual de autores e autoras negras do ano passado, quando houve um recorde de participação (30%).
Veja, abaixo, os 5 temas imperdíveis da Flip 2018:
1. ‘Temas candentes’
A Flip 2018 vai girar, em grande parte, ao redor do que a curadora do evento pelo segundo ano seguido, Josélia Aguiar, chama de “temas candentes”. Mas o que ela quer dizer, afinal, com isso?
Ainda na coletiva em que foi apresentada a programação, ela citou exemplos:
- violência;
- racismo;
- violência contra a mulher;
- discriminação por causa de orientação sexual;
- imigração.
Josélia descreveu os convidados como “autores de muita opinião”. Para ilustrar, cita a mesa que junta a brasileira Djamila Ribeiro e a argentina Selva Almada, nesta quinta-feira (26).
“Então, em mesas como Amada Vida, temos a literatura como centro, mas com duas autoras (uma de ficção, outra de não ficção) que tratam de violência contra a mulher, feminicídio. Esse é um exemplo [de encontros sobre temas candentes]”, afirmou Josélia em entrevista ao G1 por e-mail.
Djamila é autora do livro “O que é lugar de fala?” (Letramento), que saiu no ano passado, e acaba de lançar “Quem tem medo do feminismo negro?” (Companhia das Letras).
Além disso, as ruas de Paraty costumam ser palco de manifestações e atos políticos durante a Flip. Em 2018, ano de eleição, isso deve se intensificar.
2. Tabus: sexo e religião
A Flip do ano passado não teve sexo. E era um tema que vinha “causando” em edições recentes.
Em 2015, Reinaldo Moraes achou certo “psicografar” Machado de Assis, incluindo uma cena de sexo hilária em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; foi aplaudidíssimo.
Em 2016, a peruana Gabriela Wiener e a brasileira Juliana Frank fizeram um encontro curioso.
Pois agora, boa notícia: o assunto volta. A curadora da Flip diz que “liberdade” é uma palavra-chave para os convidados desta 16ª edição da festa. Na prática, significa que são autoras que escrevem sem restrição sobre temas considerados tabus: sexo e religião.
Previsto para esta sexta-feira (27), o encontro vai ter o romancista judeu americano de origem egípcia André Aciman. Ele é autor de “Me chame pelo seu nome”, que inspirou o filme de mesmo nome ganhador do Oscar de melhor roteiro adaptado.
Com ele, debate Leïla Slimani, escritora franco-marroquina autora do premiado “Canção de ninar”;
Josélia completa: “Um exemplo é pensar que em alguns países da África você pode ser preso se você se relacionar com alguém do mesmo sexo”.
3. A homenageada: Hilda Hilst
Se as mesas da Flip 2018vão abordar temas como “amor”, “sexo”, “morte”, “Deus”, “finitude”, “misticismo” e “transcendência”, muito se deve à homenageada da vez: Hilda Hilst (1930-2004).
Autora de poesia, prosa, teatro e crônica, Hilda era também considerada uma figura fascinante – em certa fase da vida, por exemplo, deixava gravadores ligados pela casa porque queria captar vozes de espíritos.
Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e, após uma temporada na Europa, passando por Grécia, Itália e França, passou a se dedicar à literatura. A estreia foi aos 20 anos de idade, com um livro de poesia, “Presságio”.
Após o período de intensa produção nas décadas seguintes, Hilda anunciou “adeus à literatura séria” nos anos 1990 porque estava “irritada com o parco alcance de sua escrita”.
Veio, então, a chamada “fase pornográfica”, com a polêmica tetralogia obscena, que inclui o famoso “Caderno rosa de Lori Lamby”. Da autora, a Companhia das Letras lançou recentemente a “Da poesia”, que reúne pela primeira vez a obra poética completa da escritora , e “Da prosa”, que reúne em dois volumes toda a ficção de Hilda Hilst, incluindo “A obscena senhora D” e “O caderno rosa…”.
Sobre sua atividade, Hilda certa vez disse em uma entrevista: “A poesia é um dom divino, uma febre física. É uma espécie de êxtase que vem de repente e acaba também de repente”.
Perguntada pelo G1 sobre qual autor da Flip 2018 poderia ser comparado a Hilda Hilst, a curadora do evento, Josélia Aguiar, respondeu:
- “Maria Teresa Horta, claro que com sua voz inconfundível que nada tem a ver com a da Hilda Hilst, trabalha ao mesmo tempo em sua poesia a dimensão mística e erótica”;
- “Júlia de Carvalho Hansen e Laura Erber têm alguns pontos de contato com Hilda Hilst”;
- “Sérgio Sant’Anna faz uma literatura transgressiva, que aborda temas como a finitude e o sexo”;
- “É possível pensar a literatura de Alain Mabanckou dentro da perspectiva do humano e da animalidade, assim como a de Hilda Hilst”;
- “Liudmila Petruchévskaia faz contos de horror e fantasia, e essa atmosfera que toca o sobrenatural também lembra de algum modo Hilda Hilst, e ambas também têm seu lado político, ainda que muitas vezes não se fale disso”.
4. Autores e autoras internacionais premiados e premiadas
Mas quem são, afinal, os astros ou candidatos a astros internacionais da Flip 2018?
A programação em 2018 não tem nenhum ganhador do prêmio Nobel de literatura entre os convidados, mas isso não quer dizer que faltem nomes fortes.
O americano Colson Whitehead escreveu “Underground railroad”, premiado com o Pulitzer e o National Book Award em 2017, dois dos principais prêmios da literatura americana.
O Colson não é fraco. Escreve muito bem esta história protagonizada por uma garota escravizada numa plantação de algodão nos Estados Unidos. Tema fortíssimo. Ele vai debater, neste sábado (28), com uma revelação da literatura brasileira, o Geovani Martins.
Também vale a pena ficar de olho na escritora franco marroquina Leïla Slimani, autora de “Canção de ninar”, que em 2016 garantiu a ela o Goncourt, um dos mais prestigiosos prêmios da literatura francesa.
O livro tem uma história fortíssima: envolve uma babá de duas crianças que toma uma atitude drástica, absolutamente trágica.
Outra autora interessante da programação é a russa Liudmila Pretruchévskaia, autora da coletânea “Era uma vez uma mulher que tentou mater o bebê da vizinha”. São tramas de terror. Na Flip, a escritora vai ocupar o horário nobre do sábado, sozinha no palco.
Por fim, dois estrangeiros que devem marcar na Flip: o franco-congolês Alain Mabanckou, chamado de “Samuel Beckett da África”, e a portuguesa, Isabela Figueiredo, autora de “A gorda”.
5. Brasileiros veteranos, novidades, cantores e atrizes
Dentre os autores brasileiros consagrados da Flip 2018, destauqe para o grande Sérgio Sant’Anna, um dos maiores contistas do país, que vai participar nesta quinta-feira (26) de uma mesa na qual falará sobre desejo, solidão e morte.
Mas há também novidade no cardápio: Geovani Martins, uma surpreendente jovem estrela da literatura brasileira, talvez a grande revelação de 2018.
Ele, que vai debater, com o americano Colson Whitehead no sábado, lançou neste ano a coletânea de contos “O sol na cabeça” (Companhia das Letras), em que faz uma mistura de linguagens, alternando registro oral, das ruas, e registro formal.
O Geovani Martins mora no Vidigal, no Rio, e já trabalhou como homem-placa, atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil e em barraca de praia. Na Flip, como escritor, deve viver seu grande momento.