Marcelo D’Salete e Marcela Cananéa falam sobre ancestralidade e territorialidade
Desde a vitória da Mangueira no carnaval fluminense deste ano, o samba-enredo da escola se tornou uma espécie de símbolo de resistência. Com isso em mente, Adriana Couto, mediadora de “Cumbe” — a tradicional mesa Zé Kleber, dedicada a refletir sobre temas relacionados à realidade de Paraty —, deu início à conversa declamando a letra do samba-enredo para introduzir Marcela Cananéa e Marcelo D’Salete, autores convidados que trabalham de diferentes modos com temas que orbitam questões étnicas, territoriais e históricas.
D’Salete é quadrinista, premiado pelos livros “Cumbe e Angola Janga — Uma história de Palmares“, nos quais reflete sobre a história da população negra no Brasil. Cananéa é militante do Fórum de Comunidades Tradicionais, reunião de lideranças indígenas, quilombolas e caiçaras de Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis. O discurso dos dois encontra diversos pontos de conexão históricos com relação à ancestralidade de povos e o vínculo com seus próprios territórios.
Segundo Cananéa, a questão do direito ao território começou a ficar mais clara na história recente de Paraty à época da construção da BR 101, a conhecida Rio-Santos, que corta todo o litoral paulista e fluminense. “Quando isso aconteceu, as comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas que estavam aqui há anos tiveram de aprender a conviver com uma série de questões, como o turismo e a grilagem de terrenos”, contou. Nesse contexto, diferentes etnias tiveram de se unir para preservar suas culturas.
Entre Ubatuba e Angra dos Reis estão localizadas diversas comunidades caiçaras e terras indígenas, além de inúmeros quilombos, como o Campinho, primeiro território do tipo demarcado no estado do Rio de Janeiro, há vinte anos. D’Salete, que trabalha o tema em seus livros, recuperando no mais recente a história de Palmares, contou que o termo “quilombo” só passou a ser usado entre os séculos 18 e 20. “É uma palavra que vem da região central de Angola, de povos nômades militarizados que lutavam contra portugueses e outros grupos colonialistas.”
Para o quadrinista, conhecer a história dos quilombos significa conhecer a história do Brasil. “Algo muito perverso da educação é sempre relacionar o negro à escravidão, sendo que há uma história rica e de resistência que acontece e aconteceu aqui”, disse. E é exatamente a questão da imagem e, em especial, da autoimagem que as pessoas têm, que Marcela Cananéa trabalha com as comunidades tradicionais da região de Paraty. “O mundo que a gente vê precisa ser trabalhado no dia a dia da escola, a educação precisa dialogar com o que as pessoas vivem.”
Marcelo D’Salete também concorda que uma nova proposta de educação se faz necessária. “Palmares tem mais de 120 anos de história, as pessoas sabem o que foi Palmares, mas não conhecem mais nada. É importante conhecer melhor porque só assim é possível dimensionar nossa história.” Por fim, Marcela Cananéa concluiu, ao dizer que o título de Patrimônio Mundial conferido pela Unesco, recém-recebido por Paraty e Ilha Grande, é muito importante para essa luta: “Se nossa cultura é Patrimônio Mundial, ela tem que ser valorizada por todos”.
Imagem: Walter Craveiro/Flip/Divulgação