“Doutor Sono” | Crítica
Quando li “Doutor Sono” no ano de 2013, eu tinha certeza que aquele obra era o livro mais direto de Stephen King. Geralmente King é um autor que gosta e aposta em boas descrições, sejam de ambientes, personagens, etc…
Stephen King é famoso por seus livros longos, que quase sempre passam das setecentas paginas. Porém, o livro de “Doutor Sono” é uma exceção a esta regra, e suas páginas embarcam o leitor em uma frenética viagem de volta ao assustador hotel Overlook, cenário de uma das obras máximas do horror, “O Iluminado” (“The Shining“), obra adaptada para o cinema e dirigida por outro mestre, o diretor Stanley Kubrick, em 1980.
Com certeza “Doutor Sono” é o melhor livro de Stephen King. O mesmo possui uma escrita muito dinâmica e sua história retoma com respeito e relevância a obra original.
Quando surgiram os primeiros rumores sobre esta adaptação, fiquei com muito receio de que tal material tão bem elaborado caísse nas mãos erradas, ou que virasse refém de alguma adaptação para a TV de baixo orçamento reduzido. Ainda bem que não foi o que aconteceu, e felizmente o filme caiu nas graças da powerhouse Warner Bros., e nas habilidosas mãos do diretor Mike Flanagan, cujo bom currículo inclui a correta adaptação de outra obra de King, o suspense “Jogo Perigoso“, e também a espetacular minissérie “A Maldição da Residência Hill” (“The Haunting of Hill House“), uma das melhores séries disponíveis no catálogo da Netflix.
O diretor não decepciona. “Doutor Sono” é o mais sólido trabalho do diretor, é um vislumbre visual. O filme é extremamente fiel ao livro, que por sua vez já trazia uma narrativa completamente cinematográfica, com passagens e trocas de ambientação inteligentemente dinâmicas.
O longa mantém o mesmo ritmo de “O Iluminado“. “Doutor Sono“, se passa em 2001, vinte anos depois dos eventos amedrontadores ocorridos no hotel Overlook, Danny (Danny Lloyd), já é um adulto, e ganhou a face de Ewan McGregor.
Marcado pelo trauma do passado, Dan carregou por muitos anos um cenário de raiva e alcoolismo do pai, até que finalmente decide se estabelecer em New Hampshire, em busca de um pouco de paz. Lá ele consegue parar de beber e também consegue um emprego em uma casa de repouso.
Suas habilidades psíquicas, muito contidas pela sua bebedeira, ressurgem e permitem-lhe fornecer conforto para os pacientes doentes do local. Auxiliado por um gato que pode sentir quando alguém está prestes a morrer, Dan adquire na instituição o apelido de Doutor Sono.
No outro lado do país, Abra Stone (Kyliegh Curran), uma corajosa adolescente, começa a sentir a presença dos mesmos poderes psíquicos de Dan quando ela aparentemente prevê os ataques terroristas do 11 de setembro.
Ela inadvertidamente estabelece um vínculo telepático com Dan; e numa noite, por acidente ela testemunha telepaticamente o ritual de tortura e assassinato de um menino executado pelo Verdadeiro Nó, um grupo de quase-imortais liderados pela diabólica Rose Cartola (Rebecca Ferguson), que vagam pela América e se alimentam de uma essência humana produzida quando as pessoas que também possuem o dom estão prestes a desencarnar.
O roteiro firme é um mérito do próprio diretor que trata os personagens com a mesma riqueza que King os tratou em seu livro. Todos os personagens, tanto os centrais quanto os coadjuvantes, os bons e os maus, têm suas motivações sempre claras, definidas e ricas em detalhes.
“Doutor Sono” pode ser definido como uma corrida de 2 horas e meia de duração onde o bem e o mal se enfrentam até as últimas consequências, e o único prêmio para Rose é a sobrevivência, e para Danny, a redenção.
A trama sempre ressalta o peso e a importância do passado na vida de Danny, com o trauma que carrega em seus ombros por tanto tempo. O ápice do filme é quando somos levados de volta ao Overlook, e a mágica de “Doutor Sono” atua com força total. E grande parte do mérito desta sensação é do diretor e seu apuro visual.
A forma com que o diretor aproveita a concepção visual do filme é simplesmente genial, e funciona como uma espécie de réplica. O trabalho das equipes do design de produção, são simplesmente primorosas, e ajuda o público a tornar-se parte do que esta acontecendo ali.
O diretor também se apoia na segurança do protagonista, que carrega boa parte do filme nos ombros, e na utilização de poucos mas precisos efeitos visuais, tornando o filme uma experiência de horror bem realista.
Como fã do trabalho do mestre Stephen King e especialmente de seu livro que dá nome ao filme, talvez seja fácil elogiar “Doutor Sono“, mas a questão é que apesar de reconhecer que não se trata de um filme que deixará muita gente acordada à noite, “Doutor Sono” é uma muito necessária conclusão para um dos personagens mais marcantes de Stephen King.
Conhecemos Danny, um menino assustado e dono de um dom muito especial. Sob a performance precisa de Ewan McGregor e sob a direção impecável de Mike Flanagan, o personagem finalmente se tornou o protagonista de sua própria história.