Colson Whitehead chama Trump de ‘burro e racista’ na Flip

Colson Whitehead chama Trump de ‘burro e racista’ na Flip

Maior astro desta 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o americano Colson Whitehead, ganhador do Prêmio Pulitzer em 2017, participou neste sábado (28) de um debate morno e com raríssimos momentos de entrosamento com seu parceiro de mesa, Geovani Martins, a grande revelação da literatura brasileira neste ano.

Sobrou, então, para Donald Trump.

Em uma de suas falas, Whitehead, chamou o presidente americano de “racista e burro” e ganhou palmas. E ele achar “chocante” que a eleição de uma pessoa assim tenha ocorrido logo após Obama ter ocupado a Casa Branca.

O maior aplauso de toda a apresentação aconteceu quando os autores foram anunciados e adentraram o palco, o que diz uma coisa ou outra sobre o clima geral do encontro.

Não que tenha faltado propriamente boa vontade de parte a parte. Só não teve conversa. Foi uma esquema meio duas mesas em uma, com o mediador, Pedro Meira Monteiro, lançando perguntas. Enquanto um convidado falava, o outro fazia silêncio.

Whitehead, de 48 anos, escreveu “Underground railroad: Os caminhos para a Liberdade” (HarperCollins), premiado com o Pulitzer e o National Book Award em 2017, dois dos principais prêmios da literatura americana.

O autor arma muito bem esta história protagonizada por uma garota escravizada numa plantação de algodão nos Estados Unidos. Tema fortíssimo.

Geovani Martins lançou neste ano a coletânea de contos “O sol na cabeça” (Companhia das Letras). Na obra, ele faz uma mistura de linguagens, alternando registro oral, das ruas, e registro formal.

Martins, que nasceu em 1991, mora no Vidigal, no Rio, e já trabalhou como homem-placa, atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil e em barraca de praia. Reconheceu que, na Flip, viveu seu grande momento.

Ganhou muitas palmas ao entrar em cena.

A certa altura, o mediador lhe repassou uma pergunta da plateia, adiantando que soaria incômoda: “Acha que, não fosse a sua origem, se não viesse do Vidigal, sua literatura seria igualmente incensada?”. O escritor respondeu apenas: “Acho que quem pode responder essa pergunta são os leitores, né?”. Mais aplausos para ele.

“Meu trabalho é o mesmo, né? Eu estou fazendo o meu trabalho. Se você recebe de um jeito ou de outro.”

Sobre o “preço da fama” em Paraty após o sucesso de “O sol na cabeça”, agora que é abordado por fãs, como lembrou Monteiro, Martins falou pode render “encontros incríveis” mas às vezes pode atrapalhar quando ele está “apressado para ir ao banheiro”. Mas brincou:

“Não sou de reclamar de nada, porque já trabalhei em cada coisa que pega até mal, assim. Vou reclamar de tirar uma foto? (risos)”

Questão racial

A questão racial apareceu em vários momentos do debate. Geovani Martins comentou:

“Na literatura brasileira, os personagens brancos são descritos só como alto, baixo, olho verde, olho azul… Mas o negro é racializado logo na entrada dele no livro. E eu ficava pensando: ‘Quando eu escrever um livro, eu só vou descrever os branco: ‘O branco chegou'”.

De acordo com ele, propositalmente, os personagens de seus contos em “O sol na cabeça” não descritos como negros. Ainda assim, os leitores os imaginam como se o fossem “porque você sabe que dificilmente um branco viveria aquilo”.

Colson Whitehead comentou que viajou pelo Brasil há 24 anos. “Fui parado pela polícia duas vezes, já me deu uma ideia do que é. Aqui na Flip é uma bolha de educação e gentiliza, então não posso dizer se mudou tanto.”

Disse ter a impressão de que “se você pergunta a uma pessoa de pele clara se há problema racial, ela vai dizer que não”.

“Mas, se você pergunta a uma pessoa de pele escura, ela vai dizer que há. Muito países têm essa imagem. Não parece só uma questão do Brasil. Quanto mais o país acha que é pós-racial, menos o país é pós-racial.”

Whitehead falou ainda que, naquela passagem pelo Brasil, visitou Salvador, Rio, São Paulo e Paraty. Contou que estava deprimido quando viu, na cidade da Flip, uma espécie de aparição: uma mulher de branco, sobre as águas, com uma caneta em chamas, chamando-o para abraçar a atividade.

“Foi um momento que muitos artistas têm, o meu aconteceu no Brasil.”

Fonte: Portal G1