Centenário de Jackson do Pandeiro é comemorado com seis álbuns raros do artista no streaming

Centenário de Jackson do Pandeiro é comemorado com seis álbuns raros do artista no streaming

Jackson do Pandeiro foi e continua sendo uma escola dentro da música brasileira. Fato é que seu legado a cada ano fica mais forte. Todos não cansam de se deliciar com as impressionantes divisões rítmicas de seu canto e seu pandeiro, pelas quais ganhou a alcunha de “O Rei do Ritmo”, e pelas letras simples, mas muito bem feitas, que alternavam ingenuidade e malícia.

O que poucos sabem é que foi também um dos artistas mais humildes de sua época, que tanto poderia brilhar sozinho num grande palco ou como um anônimo percussionista de estúdio em discos alheios. Seu centenário será celebrado no próximo dia 31 de agosto, e é uma data mais do que significativa para que o marketing estratégico da Sony Music Brasil dê prosseguimento ao projeto de digitalização de seu catálogo.

Restaurando tapes analógicos e projetos gráficos originais de seus antigos vinis, disponibilizarão nas plataformas de streaming a partir da véspera de seu aniversário, sexta-feira, dia 30, seis álbuns de carreira do cantor, uma coletânea e uma playlist especial.

Confira a playlist “Jackson do Pandeiro – Forrozeiro do Brasil”: https://lnk.to/Jackson100

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São eles o compacto duplo “Nortista quatrocentão” (1958), no qual lançou o clássico “Tum, tum, tum” (“No tempo que eu era só/ E não tinha amor nenhum/ Meu coração batia mansinho/ Tum, tum tum”), um disco de 78 rpm (de duas faixas, gravado em 1959), com “Lágrimas” (um samba de sucesso no carnaval de 1960) e outro samba raro, “De Araraê”, além dos LPs “Jackson do Pandeiro é sucesso” (1967), “O dono do forró” (1971), “Sina de cigarra” (1972) e “Tem mulher tô lá” (1973), dos quais a que entrou para a galeria de clássicos do artista foi a faixa-título do álbum de 72: “Nasci com uma sina de cigarra/ Aonde eu chegar tem farra”.

Este tesouro que agora chega às plataformas digitais redescobre uma gama de forrós deliciosos que ficaram perdidos no tempo, somando-se a outros que já estavam disponibilizados, como o álbum “Jackson do Pandeiro” (1958), no qual lançou os clássicos “Chiclete com banana”, “Cantiga do sapo”, “Casaca de couro” e “Baião do bambolê”, e as coletâneas “O melhor de Jackson do Pandeiro” (1962) e “Casaca de couro – 14 grandes sucessos” (1995), todos do catálogo da Sony Music. Completam o pacote mais uma coletânea, “Os grandes sucessos de Jackson do Pandeiro” (1975) playlist comemorativa“Jackson do Pandeiro – Forrozeiro do Brasil” (https://lnk.to/Jackson100), trazendo sucessos e relíquias de seu repertório, todos com minha curadoria.

Entre as raridades dessa leva, temos os forrós “Balanço de Maria”, “Forró em Campina” (exaltando a cidade de Campina Grande de sua mocidade, onde aprendeu a “tocar pandeiro nos forrós de lá”), “Sereno cai”, “Catirina” e “Quero sambar” (porque “sambar” também já foi um sinônimo de “forrozar”); o samba de roda “Eu e Dona Maria”, o coco “Coração velho”, muito atual, discorrendo sobre sua paixão por todos os estados nordestinos; outros números pitorescos, como “O pracinha”, sobre um jovem brasileiro que foi servir na Segunda Guerra e voltou vivo para contar a historia; um de temática rural, “O lavrador”, que louva o trabalho no campo após o período de seca (“Te prepara lavrador que tá na hora de plantar”); além da marcha “O bom torcedor”, que enumera seus times preferidos em cada parte do país.

 Soma-se a essas, canções engraçadas e críticas: os xotes “Mania de mangar”, “Tem mulher, tô lá” (“Se tiver de escolher a mulher ou o dinheiro/ É mulher que eu vou querer”) e “Nem vem que não tem” (“Pois eu não sou saco de carga pras mentiras de ninguém”); o rojão “Puxa saco”; os cocos “Pacato cidadão”, sobre um sujeito calmo até que pisem no seu calo e “Marieta” (“Nem que o diabo arranque o rabo/ Eu não deixo a minha preta”); o gaiato xote “Xarope de amendoim”, revelando um antídoto contra a impotência masculina; o xote “Cachimbo chato”, pivô de uma hilariante briga conjugal, e o forró “Chico chora” (“A mulher foi fazer compras/ Não voltou até agora/ Por isso é que Chico chora”).

Dos confins do Brasil ao estrelato nacional

Natural de Alagoa Grande, no interior da Paraíba, José Gomes Filho apurou o gosto pela música nordestina vendo sua mãe cantar cocos nas feiras de seu povoado pobre nos anos 1920 e 30, ao lado de um pequeno grupo de músicos, em troca de alguns trocados. Com o tempo, passou a acompanhá-la no zabumba. Após a morte do pai, mudou-se para Campina Grande, onde alternou o ofício de ajudante de padeiro, com bicos como pedreiro, pintor de paredes e limpador de fossa, mas sem esquecer a música, tocando onde quer que houvesse uma oportunidade, fosse baile, seresta, feira ou cabaré. Por essa época é que tornou-se exímio tocador de pandeiro. Fã de filmes de faroeste, tinha desde pequeno o apelido de Jack (por causa de seu ídolo, o ator Jack Perrin), daí que mais tarde já passou a ser chamado de “Jack do Pandeiro”.

Apesar da predileção pelo instrumento (que durante um bom tempo sequer tinha dinheiro para ter o seu próprio), conseguiu emprego de baterista num conjunto e em breve já começava também a cantar em bailes e festinhas. Em 1944, mudou-se mais uma vez, agora para a capital João Pessoa, onde foi  pandeirista em conjuntos para dançar e do elenco de músicos da Rádio Tabajara, inclusive na futura famosa orquestra da emissora. Ali travou contato com as emboladas de Manezinho Araujo e com o jeito de cantar do sambista Jorge Veiga – duas de suas maiores influências. Logo passou a adotar o nome artístico pelo qual ficaria conhecido. Em 48, foi chamado pela Orquestra Tabajara para inaugurar a Rádio Jornal do Comércio de Recife. Ali, começou a cantar sambas (o ritmo da moda) até que o coco “Sebastiana”, entoado por ele numa revista carnavalesca ao vivo na emissora, virou um número de sucesso estrondoso, ajudado pela performance teatral quando, num dado momento dava uma umbigada numa radioatriz na hora do refrão.

Descoberto por Genival Melo, divulgador da Copacabana Discos, de passagem pela capital pernambucana, Jackson foi logo contratado e estourou no Brasil inteiro em 1953 com seu primeiro disco, trazendo “Forró em Limoeiro” e a mesma “Sebastiana”, nessa altura acompanhado de outra radioatriz, Almira Castilho, que se tornou sua esposa e como já tinha estudo, foi responsável também por sua alfabetização. Sim, aos 34 anos, ele ainda era analfabeto. Dali para que aportasse no Rio de Janeiro foram apenas seis meses. Chegou à (então) Capital Federal consagrado, logo descolando um contrato com a mítica Rádio Nacional. Sete anos após Luiz Gonzaga ter explodido a música nordestina nacionalmente, Jackson foi importante por dar um novo gás a esse cancioneiro, popularizando gêneros diferentes como cocos e rojões.

Seguiram-se um sucesso atrás do outro até que entre 1958 e 59 foi contratado da antiga Columbia (atual Sony Music) onde registrou o samba nordestino “Chiclete com banana” e outros grandes emblemas de seu repertório de forró, como “Tum tum tum”, “Casaca de couro” e “Baião do bambolê”, além de um compacto duplo. A seguir passou por outras gravadoras, inclusive pelo selo Cantagalo, de Pedro Sertanejo, hoje parcialmente incorporado à Sony, onde gravou “Jackson do Pandeiro é sucesso” (1967), destacando a hilariante “Iê iê iê no Cariri”, até retornar à velha Columbia, então chamada CBS, entre 1971 e 73, quando gravou mais três long-plays que agora estão disponibilizados.

Isto se deu após um período de ostracismo em que o forró foi ofuscado pela Jovem Guarda, a Era dos Festivais e a canção de protesto, sendo redescoberto primeiro por Gal Costa, que regravou “Sebastiana”, em 69, depois, em 72, por Gilberto Gil, que releu duas pérolas de seu repertório, “Chiclete com banana” e “O canto da ema”, e pelos jovens Alceu Valença e Geraldo Azevedo que o convidaram para defender com eles no VII (e último) Festival Internacional da Canção a embolada corrosiva “Papagaio do futuro”, de Alceu (“Eu fumo e tusso/ É fumaça de gasolina”). Jackson viveu até 1982, quando passou mal durante um show, vindo a falecer dias depois à beira dos 63 anos, não sem antes dar de presente a Elba Ramalho, um de seus primeiros sucessos, “No som da sanfona”.

Rodrigo Faour